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A MORENA DO VARJÃO
A MORENA DO VARJÃO

 

                                                                              

A Morena do Varjão

Era encanto de beleza,

Linda moça morena

Morando às margens

Do lindo Rio Ipanema.

 

Preste muita atenção,

Amigo, nesta história

Que apenas no início

Existiu alguma glória.

 

Ela é um pouco longa,

Mas preciso lhe contar

Pra você dos males,

Poder assim, se livrar.

 

Amigo, sei que você vai

Com certeza ter pena,

Mas descreverei também

Algumas lindas cenas.

 

De boca tão bem feita

Era linda e pequena,

Daquela figura jovem,

Catorze anos, apenas.

 

Vivia ali entrosada

No meio da multidão:

Eram, mais ou menos,

Uns dez, ou doze irmãos.

 

Cabocla tão linda assim

Acredite que nunca vi!

Criada noutro sistema

Visto hoje, só em cinema.

 

Simples modo de se vestir,

Voz gostosa de se ouvir.

Seus predicados eram tantos

Que causavam encanto.

 

O corpo dela ficava

Escondido, guardado,

Short ela não usava;

Vivia como no passado.

 

Ali ela vivia muito feliz,

Pois, sentia-se bem;

Não conhecia modas,

Do mundo, vivia além.

 

Morando tão deserta,

Na fazenda de um rico;

Da cidade tão distante,

Lugar simples e bonito.

 

Recordo aquele rio,

Rio de águas claras.

Que saudade sente,

Aqui, a minha alma.

 

Lembro como se eu

Estivesse vendo agora:

A morena ali sentada,

No terreiro, lá fora.

 

Todo dia ela pescava

Tanto cará e lambari

Também, seus irmãos:

Um, aqui; outro, ali.

 

É mesmo muito difícil,

Amigo, de se saber

Ao certo, com quem

Na vida, dá pra viver.

 

As pessoas se arriscam,

Mesmo sem saber prever.

Depois, complicadas ficam,

Começam logo a sofrer.

 

No início é tudo lindo:

Muita fantasia e prosa,

Depois vêm os problemas

Pois, falta a alma gêmea.

 

Compromisso, o jovem,

Jamais, ele sabe ter

Só pensa em namorar,

Passear, curtir, beber.

 

Sente sensação e diz

Que alguém está amando;

Não sabe o que é namoro,

E fica só transando.

 

Fica confuso, correndo

Atrás da tal felicidade,

Mas nunca a encontra,

Porque vive na maldade.

 

Na sua casa era tudo

Bem limpo e arrumado,

Não sei como lá chovia,

Mas nada ficava molhado.

 

Pois, o imóvel era feito

De “pau a pique”, madeira;

A cobertura era duma

Coisa chamada casqueira.

 

Moravam naquele varjão,

Do fazendeiro emprestado

Havia mais de dez anos

Que lá estavam instalados.

 

Ali havia muita fartura:

Peixe, caça, água pura;

Terra boa pra trabalhar

Para, enfim, alimento dá.

 

Lindas plantas, bom cheiro!

Mas, ali no mês de janeiro

Seria todo o varjão coberto,

Todos tinham isto por certo.

 

Uma bem cuidada horta,

Logo em frente à porta;

Algumas ruas de cana

E lindos pés de banana.

 

Lindo pomar em volta

De fruta, tanta variedade,

Como no tempo de Adão,

Um paraíso, na verdade.

 

No varjão, o arrozal

Lá encima, o milharal.

Na pedreira tinha feijão,

Mandioca, abóbora, melão.

 

Havia, uma grande malhada

Com uma palhada, ao Sul,

De onde de madrugada

Ouvia-se o canto da nambu.

 

A morena nunca, jamais

Tinha ‘ficado’ ou namorado,

Naquele seu lindo rosto

Ninguém havia beijado.

 

Era mesmo uma jovem

Bem robusta e donzela

Sem amor, sem fantasias;

Também sem ver novelas.

 

De costume engraçado,

Hoje, tá tudo mudado.

Inocente, ria ante a cancela,

Se a chamava de bela.

 

Isso, raras vezes acontecia,

Pois, quase ninguém ela via.

E, se alguém lhe acenava,

Ria e pra mãe, ela falava.

 

Estava sempre ocupada,

No meio da garotada.

Lavava pratos e panelas;

Era assim a vida dela.

 

Quando em casa chegava

Da roça tão cansada

Os pequenos lhe abraçava,

Todos alegres na risada.

 

Aos domingos, pra se divertir,

Iam pru rio pescar lambaris

Não saia pra passear

Vivia só pra trabalhar.

 

Era uma jovem inocente

Filha de humilde gente;

Era uma pacata pessoa

Que achava a vida boa.

 

Lá, de vez em quando,

Em certa época do ano

Iam pra colheita de algodão,

A caboclinha saia do varjão.

 

Viajava nas brisas frias,

Pra trabalhar de “bóia-fria”.

Saia sobre um caminhão

Com os pais ganhar o pão.

 

Sem retrato, nem teatro,

Morava mesmo no mato;

Porém, cheia de alegria

Isto no rosto se refletia.

 

Quem sabe, seria tristeza,

Se um espelho tivesse

Pra ver nele refletida

Do seu corpo tanta beleza.

 

Para ver a sua solidão

Podendo ser uma princesa

Mas a Eva sem adão,

Disso não tinha clareza.

 

Se, ao menos tivesse

Uma simples televisão

Pra que assim lhe desse

Um misto de sonho, ilusão.

 

Esta obra jamais revelará

Seu nome, questão de ética;

Sua identidade será secreta

Nesta história indiscreta.

 

Aquela moça do varjão,

Que comia tanto mamão,

Sobre as pedras, ou no chão,

Foi motivo de muita atenção.

 

Vivia num mundo restrito,

Mas achava tudo bonito.

O seu trabalho era lazer,

Nada mais pôde aprender.

 

Sem boneca e sem escola,

Sua juventude foi embora.

Nem mesmo parava pra ver

Sua beleza, ao amanhecer.

 

O rapaz que ali passasse

Mesmo que nada lhe falasse,

Só em vê-la, saia sorrindo,

Pelo rosto dela atraído.

 

 

Na beira da mata, a morada

Por pouca gente visitada;

Ali morava aquela morena,

Ao lado do Rio Ipanema.

 

No terreiro a meninada,

Todas felizes, animada.

Lembrando o tempo que se foi

Acredito que agora se magoe.

 

Foi no ano de oitenta e dois,

Eu vou lhe contar como foi:

Ela era moça com quinze anos,

Pra namorar, nem tinha planos.

 

Observo a moderna juventude

Cheia de liberdade e atitudes.

Isto nela não foi marcante,

Foi pequeno o seu horizonte.

 

Viveu diferente a mocidade,

Corpo ausente de maldades;

Vendo todo dia, o sol nascer

E se pondo, no mesmo soer.

 

Pra morar perto, certo dia,

Chegou um rapaz da Bahia,

Num vizinho loteamento,

Num rancho fez o aposento.

 

Noutro dia, perto da casa dela,

Ele não sabia quem era aquela

Que lhe olhava, lá na pedreira,

Trabalhando numa segunda-feira.

 

Próximo dali, sempre,

Ela passava sorridente;

Naquele rotineiro caminho

Que dava acesso pru rio.

 

Ela desceu com os irmãos

E enche o rapaz de emoção.

Quando o olhar dela ele viu,

Algo muito forte sentiu.

 

Trajava short e blusa fina,

Só pra o banho no Ipanema;

Ela usava roupas pequenas

Pois, a tinham como menina.

 

Vendo seu corpo atraente

Um desejo forte ele sente:

Sensação louca, realmente,

Não amor, assim, de repente.

 

Boa estatura, cor de canela;

Cintura fina, pernas belas;

Bumbum e seios levantados,

Deixaram o rapaz encantado.

 

Mas, com os ‘guris’ perto,

Ele se limitou, por certo;

Ela olhava, todos viam

Que realmente se queriam.

 

Sua irmã vinha atrasada

Esperou ela sendo fitada.

Seu corpo muito atraente,

Mas... inocente, realmente.

 

Ele é iludido pela barriga,

Ante o olhar dele, exibida;

Desejava, tremia de emoção

E ela sem saber a sedução.

 

Ela saindo, e ele a fitava

O seu bumbum meneava.

“Quem dera tocar seu corpo!”

Ali desejava aquele moço.

 

Pôs a enxada nas costas

Consigo fez uma proposta:

De namorar a morena do rio,

Tomou isto como um desafio.

 

Aquela aventura queria viver

Tanto que nem pôde comer;

Naquele dia nem jantou

Só pensando naquela flor.

 

Sozinho, ficou a planejar

Como podia conversar;

Pois, só vivia rodeada

Por aquela molecada.

 

Esperando o primeiro ensejo,

Acenava, mandando-lhe beijos;

Sonhava nas madrugadas

Que ela era sua namorada.

 

Início de noite, ele avista

No terreiro, uma fogueira;

O pai, sempre em volta,

Ajeitando aquela lareira.

 

Ele foi pra lá disfarçado,

Dizendo que ia se aquecer;

Um boa-noite foi dando

E foi se enturmando.

 

Seu pai era ciumento,

Saiu logo, lá de dentro;

Ficou nervoso que só,

Pelo terreiro, ao redor.

 

Todos em volta da fogueira

E ele no meio da molequeira.

Época de frio, se reuniam,

Rotineiramente se aqueciam.

 

Aquele sujeito do Nordeste,

De costumes lá do agreste;

Era legal e muito confiável

Tinha boa índole, amável.

 

A mãe gostava de conversar

E, depois dum café passar,

Veio falar com o rapaz,

Lhe identificar, tudo mais.

 

A morena saiu do terreiro,

Ele continuou a te esperar;

Queria sentir dela, o cheiro

E seu olhar a te procurar.

 

Voltou sorrindo com um café,

Entregou-lhe e ficou de pé;

Ele agradeceu pra salientar

E ela um banco foi buscar.

 

Pediu pru moço: “Sente!”

Ficou ao lado sorridente.

Ele foi fazendo entrosamento,

Ali nos primeiros momentos.

 

Contou adivinhações e piadas;

Pras crianças, histórias de fada;

Os meninos nem queriam dormir,

Todos em volta dele a sorrir.

 

O senhor, em casa entrou

Com ninguém conversou;

Porém, na tarde do mesmo dia

Conversavam, enquanto carpia.

 

Ele observavaa cabocla,

Olhava disfarçado pra moça;

Disse que já iria embora.

“Ainda tá cedo, não vá agora”.

 

Falou a mãe dela, lá dentro.

Estavam saindo do relento

A morena, aindatava lá fora,

Sorrindo pra ele, toda hora.

 

Ele foi dela se despedindo,

Falou apertando a sua mão;

E ela, como que insistindo,

Não queria soltar, mais, não.

 

“Depois quero falar com você”.

O rapaz, pra ninguém perceber,

Falou baixo, no ouvido dela,

Sentindo o cheiro da donzela.

 

Ele a levou no pensamento,

Já tinha feito o entrosamento;

Já não era mais estranho,

Se encantado mais no sonho.

 

Queria no tempo se apressar,

Mas tinha mesmo que esperar;

Assim, pensava nela noite e dia,

De tê-la nos braços, não esquecia.

 

Cativou todos com sua amizade

Mostrando sempre simplicidade.

Com o pai dela, conversava

E de longe, ela lhe acenava.

 

Ela cantava modas sertanejas,

Pra lá e pra cá, a te olhar

Ele percebeu que lhe queria,

Porque sempre, correspondia.

 

Um dia, enquanto trabalhava,

Sua irmã se exibia, brincava:

“Ele te ama, e quer você!”

E a outra falava pra querer.

 

Ele disse: “Claro, que aceito!”

Emocionado, a mão no peito.

Foram tomar água distante

E aproveitaram um instante.

 

“Quer conversar comigo?!”

Como se fosse um pedido,

Ela o interrompeu, beijando

E, lentamente se entregando.

 

A morena ficou tão exitada

Assim, muito emocionada;

Queria aproveitar o ensejo,

Mas interrompia os beijos.

 

Confesso que ela até chorou,

Quando seu corpo ele abraçou.

Tremendo, ela largou a enxada

E lhe agarrou sem falar nada.

 

Levava ao peito, a sua mão

Agoniada com o coração,

Que batia forte e estremecia

E afastou-se naquela agonia.

 

Depois da cena que passou

No rosto dele ela olhou;

Ele percebeu que tava carente,

Que não era mais inocente.

 

Ficaram os dois ali dementes

E sua irmã chega, infelizmente.

“À noite, vá pra casa”, ela pediu.

E ele disse: “Eu vou, amor, viu?!”

 

Eles voltaram a trabalhar

Foram obrigados a disfarçar

Do seu pai, ela tinha medo,

Ela lhe falava em segredo.

 

Na noite do próximo domingo

No terreiro ele foi surgindo.

Ela, na porta, empalideceu

Que até a sua fala perdeu.

 

Ela ficou feliz, sorrindo,

Com o coração aplaudindo;

Ele abraçou todas crianças,

Dando-lhes mais confiança.

 

Conversava com os irmãos

Com sua voluntária atenção,

Mas, de olho naquela morena;

Queriam se juntar, dava pena!

 

No terreiro, a lareira no cão,

Aquecia o frio e a emoção.

“Abrace ele!” a irmã dizia.

”Não gosta?” outro insistia.

 

Ela disfarçada, ficava calada

E dizia tudo sem falar nada.

Aquela noite foi um marco

Do amor, depois, o fracasso.

 

A morena não mais se dominou,

A espada da paixão lhe acertou;

Sentiu amor, pela primeira vez

O beijo, apaixonada a fez.

 

Eles começaram a segredar

O seu começou a desconfiar.

Ia Lá dentro, não sei o que fazer

O rapaz começou a perceber.

 

O moço falou: “Eu tô com medo!

Vou embora, enquanto é cedo”.

Ela segurou a mão do rapaz

E pediu: “Não, fique mais!”

 

Ficaram os dois bem juntinhos

Falando só pra eles, baixinho.

Então ela percebeu, realmente

Que atraia e era atraente.

 

O seu pai na porta tomando mé

Falou:“Este sujeito, dê no pé!

Já vi que este cara não presta!

E vou acabar com a sua festa!”

 

Todos, dele tavamgostamdo

Só o pai dela tava ciumando,

Mas ele, duma vez foi dormir

Sua mãe e a irmã ficaram ali.

 

Num momento, as duas saíram

E os corpos sedentos se uniram:

Osabraço puderam sentir

E ela tremia, querendocair.

 

Aquelas criaturas carentes,

Sentindo os corpos quentes;

Ela ainda não sabia acariciar

Mas não paravam de beijar.

 

Ela ouviu o barulho da porta

E pediu: “Amor, me solta!”

“Filha, o fogo já se apagou

E agora, deitar eu já vou.

 

Chame pra dentro o rapaz,

Ele pousa e amanhã cedo vai”.

Ele se despediu, foi embora,

Beijando-lhe naquela hora.

 

A irmã não saia de perto,

Tava vigiando, por certo.

Saíram cheios de maldades,

Os dois com tanta vontade.

 

Vontade de mais ensejos

De sentirem mais os beijos,

Beijos que naquele enredo,

Quem predominoufoi o medo.

 

A morena suspirando foi deitar

E, sem sono, na cama a rolar;

Lembrando das cenas, os abraços

Tava carente, queria amasso.

 

Pecava olhando o seu corpo

E desejando aquele moço.

Até então, ela era inocente,

Agora, incompleta e carente.

 

Uma onda de gostosa sensação

Sacudia o seu pobre coração.

Dormiu já de madrugada

Sonhado com ele abraçada.

 

Eles só pensavam no amor,

Mas, em breve viria a dor.

Ele foi o primeiro namorado

Antes ninguém havia beijado.

 

Ficou louca, doente de paixão,

Vivia com a mão no coração;

Ficava só pensando consigo

Como ficariam escondidos.

 

Imaginava por ele, despida,

Sua beleza por ele, vista

Cheia de timidez e sensação

E pensava: “Não aguento, não!”

 

Ficou fácil, o entrosamento

Só o paié que era ciumento.

Eles não sabiam se conter

Com aquela paixão de morrer.

 

Ia bem, o namoro transcorria;

O pai, o que fazer, não sabia

E o casamento, adiar queria;

Outra hora, nem permitia.

 

Falava que ela ainda era nova

Bebia e alegava, toda hora

O rapaz dizia: “Não agüentomais,

Quero fugir, mas você não vai!”

 

Já fazia mais de dois anos,

Sem dar certo nenhum plano;

Só se viam nos fins-de-semana,

O pai dela implicava tomando cana.

 

Era o pai, de longe, falando

E eles no terreiro, coversando;

Encontrá-la na roça ele ia

Mas ela sempre tinha vigia.

 

Quando sozinhos eles ficavam,

Precipitadamente se abraçavam;

Aproveitavam ensejos com beijos,

Acendendo mais seus desejos.

 

Foram três anos de indecisão

Com futuro cheio de imprecisão,

Queriam, em breve, o casamento,

Eles sonhavam com este evento.

 

Ele, às pressa, toma uma decisão

De conseguir dinheiro no sertão.

Regressou pra o estado da Bahia

Jurando que, em breve, voltaria.

 

Ao chegar ao estado da Bahia

Um vazio imenso ele sentia;

Pertences começou a vender

Pra um bom dinheiro fazer.

 

Com a morena queria se manter,

Doido pru casamento acontecer.

Arrumando a questão financeira

Pra ele, o resto era besteira.

 

Depois de apenas quinze dias

O rapaz já sentia nostalgia,

Tanto que ia comer, não comia;

Chorar no mato, escondido ia.

 

Ela também vivendo no fracasso,

Seu corpo com sede do abraço.

O pai, aliviado agora se sente

E ela triste, sofrendo, sempre.

 

Na estrada, em busca dela

Ele recitava uma poesia bela,

Em silêncio, doido pra chegar,

Finalmente, sua amada abraçar:

 

“Nesta estrada tirana estou,

Correndo em busca da minha flor;

Mas este sofrimento, esta lida,

Sana ao encontrar minha querida.

 

Sozinho, sem ninguém abraçar

Pois, só a ela mesmo sei amar

Vejo a morena, sem aqui estar

Nem sei como isto explicar.

 

Sei que nesta madrugada

Ela, como eu,tá acordada

E, quem sabe, sonhando”.

E assim continuou viajando,

 

Na estrada, olha uma serra

Com o horizonte se depara.

Seu olhar, o espaço atravessa

O ônibus corre e ele com pressa.

 

Aquela vontade no seu peito,

Faz ele chorar, não tem jeito.

O seu olhar rasgando o véu

 Pensamento se mistura no céu.

 

Ele regressa naquela solidão

Porém, com ela no coração;

então, dorme e se acalenta

Sonha com ela e se alimenta.

 

Era noite linda, de lua-cheia,

Imagem na mente vagueia:

Imagem dele, na mente dela;

Também, na dele a da donzela.

 

Chegou por trás das bananeiras,

Parou sob um pé de macieira;

Era cedo, às dezoito e meia,

Pouco depois da hora da ceia.

 

Ela, com sua irmã, conversava:

Uma chorava, a outra consolava;

Ele ficou escondido a escutar

Com emoção, das de matar.

 

Ela perguntava: “Será que volta?!”

Ali continuou aquele soluçar

Fitando as estrelas, do terreiro

Expõe seu amor verdadeiro:

 

“É certo que este mundo gira:

Um curte, outro sofre -e suspira;

Minha alma, sozinha vagueia

Sinto o cheiro dele, volta e meia.

 

Meu amor está tão distante

E me judia, êta paixão picante!

Parece trespassar o coração,

Entendo como é isto, não”.

 

Uma voz, de início, misteriosa

Assustou aquelas duas rosas,

Cessou o medo, veio o acalento

Com a melodia solta no tempo:

 

“Enquanto eu existir

e pra você puder olhar;

Enquanto no seu rosto

uma estrela brilhar;

Com frases de amor

vou sempre lhe presentear.

 

Amor, agora, quero te abraçar,

Que te amo, quero provar;

Vamos matar esta saudade,

Somos um do outro, a felicidade.

 

Abrace o homem que te ama

Acredite, apague esta chama.

Todo tempo só pensei em você

Na distância, só fiz padecer”.

 

Depois de ambas declarações,

Feitas por aqueles corações,

A sua irmã ficou tão surpresa,

Sem dúvida, percebeu a firmeza.

 

Se abraçaram sob a luz da lua,

A outra correu avisar a mãe sua

Que veio porém, sem acreditar,

Mas viu abraçados, ao chegar.

Pra vida à dois eles começar,

Dinheiro, ele conseguiu juntar,

Porém surgiu imprevistos

Os aqui, não serão descritos

 

Permaneceu ali o pobre rapaz

Pescava, trabalhava, tudo mais,

Sempre naquela preocupação:

Sem poder consumar tal união.

 

Em casamento ninguém falava,

A moça revoltada reclamava;

O pai era honesto, gente boa

Mas, sem recursos ficou à toa.

 

Ele ficou ali sem resultados

E, sem recursos ficou agoniado,

Sendo vítima daquele problema

Que amenizava ante a morena.

 

Houve um período que madrugar

Num tempo frio de congelar

Virou costume, coisa rotineira:

Trabalharem na Fazenda Laranjeira.

 

O cultivo da lavoura de algodão

Quem fazia era o povo do varjão,

Trabalhando de “bóia-fria”,

Assim aquela família sofria.

 

Houve um desentendimento

Na estrada, certo momento:

O proprietário do carro, Romil

Fez o pobre rapaz correr “à mil”.

 

A causa de tudo foi ciúmes,

Com isto ninguém se une.

Quem sacou a arma foi Romil

Felizmente, o rapaz não reagiu.

 

Aos domingos, com as meninas

Iam buscar leite na Carolina;

Cada dia daquele, era especial,

Tinham liberdade, coisa e tal.

 

Ela ficava mais bem arrumada

Pois, sabia que ia ser beijada.

No caminho comiam queijos

E saboreavam os doces beijos.

 

O rapaz viajou, foi ao Paraná

Pra mais dinheiro ganhar,

Em Santo Inácio foi trabalhar

E lá começou a namorar.

 

Era com a filha do patrão,

Só que a ela não amava, não

Estava apenas disfarçado,

Porque já era um enrolado.

 

Acertou a conta com o patrão

Não quis compromisso, não;

Saiu escondido de madrugada,

Nem pra moça avisou nada.

 

Continua aqueles namorados,

Um pelo outro, enfeitiçados.

Já no ano de oitenta e cinco

No final, acho que não minto.

 

O rapaz foi trabalhar fichado,

Desta vez ficou até animado;

Numa fábrica chamada “Brasway”

O que ele fazia lá, eu não sei.

 

Naquela indústria ele esperava,

Aos poucos, sua vida melhorar,

Mas houve um imprevisto

Impedindo dele ali trabalhar.

 

A família também saiu do varjão,

Pois chegou a tal da inundação.

Recebeu casa em Narandiba,

Ganharam outro modo de vida.

 

A morena saiu daquele chão

Sem querer, contra seu coração.

Ganharam hábitos diferentes

Na cidade toda aquela gente.

 

O chefe e todo seu povo

Queriam o varjão de novo,

Por sairem pra ganhar o pão

De madrugada, num caminhão.

 

Começaram constantes brigas

Não sei porque tais intrigas.

Às vezes ficavam brigados

Um mês ou mais calados.

 

Uma crise de ciúmes grande

No amor eles viviam em pane.

O romance ficava bombardeado,

Parecia até tudo ter acabado.

 

Quase sem haver reconciliação

E doentes com a tal desunião.

Se reconciliam num instante

Aproximam, o amor distante.

 

Mas o rapaz, muito diferente

Do que ela pensa, de repente,

Pra Bahia resolve voltar,

No dia seguinte iria viajar.

 

Sem esperança, sem acreditar

Que ela iria te acompanhar,

Pois, ele sempre queria fugir,

Mas ela só queria ficar ali.

 

Ela ficava toda indecisa,

Ficava um pouco dividida.

“Ficará lá, a moça do varjão”.

Deduziu ele no seu coração.

 

O que seria uma separação

Transformou-se numa solução.

A morena faz-lhe uma surpresa,

Após ter chorado de tristeza.

 

Se é pra sofrer, escapa, não!

Naquele dia, não sei a razão

De ali sozinha ela ter ficado

E dela fugir ter, concordado.

 

Ao chegar ele falou assim:

“Amor, se você gosta de mim

Irá comigo, hoje será o dia,

Porque estou indo pra Bahia.

 

Estou decidido, se você não for

Chegou ao fim, o nosso amor;

Aproveite os meninos brincando

Que seus pais estão chegando”.

 

A moça pensativa, sem se conter

As lágrimas começaram a descer

Triste, lamentando a chorar

Abraçou ele e pôr-se a falar:

 

“Meu amor, irei com você,

Chega deste tanto sofrer.

É firme a minha decisão,

Não suporto mais solidão.

 

Perante os convidados, no altar

Queria o meu amor poder jurar.

Sem ser possível tal cerimônia

Faremos agora esta vergonha”.

 

 

Imaturos, os adolescentes

Discordavam, infelizmente.

Amor é coisa só pra gente,

Mas tem que ser inteligente.

 

Depois da ação não planejada

A morena ficou triste, calada

Passeavam os dois pela cidade,

Viajariam à noite, na verdade.

 

Como quem se arrependia

Olhava no rosto dele e dizia:

“Amor, esta decisão tomada

Por mim não era desejada.

 

Sei que agir assim, é incorreto

Mas já que casar não deu certo

Estoucom você viajando”.

Enos braços dele, se ajeitando.

 

No mês de abril do mesmo ano,

Início de noite, foram chegando

Numa residência de estimação,

Onde houve uma linda recepção.

 

Morava naquela residência

Pessoas querida, de decência:

Mãe do rapaz, irmão e irmã

Que conversaram até de manhã.

 

Muita recepção, deram-lhes,

No início tudo são flores

O problema logo, logo viria

Curtiram apenas poucos dias.

 

A ela todos queriam agradar,

Ele não sabia como gratificar

Cheios de liberdade, sentiam,

Logo nem tanto se queriam.

 

A morena logo estranhou,

Do Nordeste ela não gostou.

Nem daquele modo de vida,

E muito menos das comidas.

 

Começou odiar tudo na região

E ele lhe dando pouca razão.

Desentendeu com a cunhada,

Houve aquela briga danada.

 

Levantava com mau humor,

Até com a sogra fez terror:

Xingou  ela lá na cozinha,

aquela senhora tão calminha.

 

Ninguém sabia lhe entender,

Sofria e fazia os outros sofrer.

Ele ficou muito ofendido

Com dó da mãe, entristecido.

 

Sem família, ficou desgarrada,

Em terra estranha, fracassada.

Naquela casa sem ter chefe,

Num viver que ninguém merece.

 

Começaram constante desunião

Era de momento aquela paixão;

A maldição ali foi lançada,

Os dois brigavam por nada.

Um não entendia mais o outro,

De ambos aumentava o desgosto;

Nem se alimentavam mais direito

Com aquela angustia no peito.

 

Sem planejarem sua relação

Um ser entrara em formação.

Aquela morena ficou grávida,

Mais uma vida era concebida.

 

Desenvolvia o fruto duma união

Pra enfrentar tanta ingratidão

Sem planejamento, uma gestação

E nem repouso ela tinha, não.

 

Ele, atarentado, não entendia,

Como agir, ele jamais sabia;

Ela cobrava sempre a sua volta

Pra terra querida, que revolta.

 

Refiro-me sobre o seu parto,

Que prometia ser complicado

E pelo médico recomendada,

Pra Aracaju foi logo levada.

 

Chegando lá, ela teve sorte,

Não houve perigo de morte.

O procedimento foi normal:

Mãe e filha com saúde, afinal.

 

Nasceu uma linda menininha

Tão bonita, aquela gracinha;

Sem pecado, uma coisa linda,

Com direito a ser bem vinda.

 

Nascida em Sergipe, sergipana,

Portanto, ela não é baiana;

Na Bahia, três meses viveu,

Em São Paulo, creio que cresceu.

 

Após uns cinquenta dias

A morena quase morria.

Não sei como passou mal

E foi levada pro hospital.

 

Com certeza não repousou,

Não sei como se comportou.

Falou que iria mesmo morrer

E a sua mãe não ia mais ver.

 

À noite ela agarrou no sono

E ele sempre lhe observando

De madrugada ficou bem ruim

E, pra cuidar dela, ninguém ali.

 

Deu uma crise nela, de repente,

Fitou o marido bem diferente.

Ele partiu, do quarto gritando,

Pelas enfermeiras chamando.

 

Uma, foi ver de pressa a paciente;

Outra,chamou o médico, urgente.

“Enfermeira, não deixe ela morrer!”

Ele pediu com as lágrimas a descer.

 

O médico ficou assustado,

Realmente com seu estado.

A temperatura alta, estava,

Dos quarenta graus passava.

 

“É hemorragia. Que situação!

Mas vou aplicar esta injeção--

Continuou o médico--  sei não!”

Ajeitando a seringa na mão.

 

Em dez minutos ela levantou,

O médico feliz também ficou.

Três dias lá, ela permaneceu

Quase morre, mas não morreu.

 

Não demorou veio a separação

Da morena e o rapaz do sertão,

Não havia mesmo combinação,

Porém, jamais haja justificação.

 

Pra ele que abandonou

A sua filha e não criou

Seu sangue foi abandonado,

Por isso vive desorientado.

 

Foi petrificado o seu coração,

O sofrimento tirou-lhe a visão.

Assim, o problema não sanava

E a si próprio ele enganava.

 

De certa forma, ainda agiu bem:

Levando-aà casa dos  seus pais,

Desligando da vida um do outro

E gerando pra todos, o desgosto.

 

É triste o fim desta história,

Que ficará na sua memória.

Às vezes o ser humano, afinal,

Age mesmo como irracional.

 

Aquela criança, na partida,

Como se recusasse sua saída,

Ficou doente, o ser infantil,

Mas foi tratada com floratil.

 

No caminho, em meio à maldade,

Ria sem saber daquela crueldade.

Mesmo com a mente embaralhada

Ele já sentia a alma penalizada.

 

Sem voltar atrás, mas percebia

O desgosto que a criança sentiria,

Sem o pai ao lado, no futuro

Pra dar cada passo seguro.

 

Última vez cuida da criança,

Traindo dela, sua confiança;

Próximo, em Presidente Prudente,

O pai dá leite àquela lactente.

 

Olhou a morena, a menor riu;

Saiu, ninguém nunca mais viu.

Preferiu não chegar até lá

Tinha medo da família vingar.

 

Tal idéia ele teve no momento,

Em Prudente, num curto tempo.

Por tal ato de covardia mereceu

A punição moral que recebeu.

 

A mãe, sozinha ficou cuidando

Daquela criança, se doando;

Pelo pai, deixado uma vida

Covardemente, esquecida.

 

Um ato que mais dá tristeza

É abandonar criança indefesa.

Um ser totalmente inocente

É apenas um início de gente.

 

Todo mundo que gostava dela,

Hoje, vivem como numa cela;

As flores, inclusive a roseira

Murcharam, ninguém cheira.

 

As plantas, ela vivia regando,

No terreiro, as flores, cheirando;

Saboreava as frutas da mangueira,

A planta que ouvia as neiras.

 

A árvore que viu para sempre,

A morena partir, ficou doente;

Triste, não botou mais fruta,

Apenas, o vento nela se escuta.

 

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