A Morena do Varjão
Era encanto de beleza,
Linda moça morena
Morando às margens
Do lindo Rio Ipanema.
Preste muita atenção,
Amigo, nesta história
Que apenas no início
Existiu alguma glória.
Ela é um pouco longa,
Mas preciso lhe contar
Pra você dos males,
Poder assim, se livrar.
Amigo, sei que você vai
Com certeza ter pena,
Mas descreverei também
Algumas lindas cenas.
De boca tão bem feita
Era linda e pequena,
Daquela figura jovem,
Catorze anos, apenas.
Vivia ali entrosada
No meio da multidão:
Eram, mais ou menos,
Uns dez, ou doze irmãos.
Cabocla tão linda assim
Acredite que nunca vi!
Criada noutro sistema
Visto hoje, só em cinema.
Simples modo de se vestir,
Voz gostosa de se ouvir.
Seus predicados eram tantos
Que causavam encanto.
O corpo dela ficava
Escondido, guardado,
Short ela não usava;
Vivia como no passado.
Ali ela vivia muito feliz,
Pois, sentia-se bem;
Não conhecia modas,
Do mundo, vivia além.
Morando tão deserta,
Na fazenda de um rico;
Da cidade tão distante,
Lugar simples e bonito.
Recordo aquele rio,
Rio de águas claras.
Que saudade sente,
Aqui, a minha alma.
Lembro como se eu
Estivesse vendo agora:
A morena ali sentada,
No terreiro, lá fora.
Todo dia ela pescava
Tanto cará e lambari
Também, seus irmãos:
Um, aqui; outro, ali.
É mesmo muito difícil,
Amigo, de se saber
Ao certo, com quem
Na vida, dá pra viver.
As pessoas se arriscam,
Mesmo sem saber prever.
Depois, complicadas ficam,
Começam logo a sofrer.
No início é tudo lindo:
Muita fantasia e prosa,
Depois vêm os problemas
Pois, falta a alma gêmea.
Compromisso, o jovem,
Jamais, ele sabe ter
Só pensa em namorar,
Passear, curtir, beber.
Sente sensação e diz
Que alguém está amando;
Não sabe o que é namoro,
E fica só transando.
Fica confuso, correndo
Atrás da tal felicidade,
Mas nunca a encontra,
Porque vive na maldade.
Na sua casa era tudo
Bem limpo e arrumado,
Não sei como lá chovia,
Mas nada ficava molhado.
Pois, o imóvel era feito
De “pau a pique”, madeira;
A cobertura era duma
Coisa chamada casqueira.
Moravam naquele varjão,
Do fazendeiro emprestado
Havia mais de dez anos
Que lá estavam instalados.
Ali havia muita fartura:
Peixe, caça, água pura;
Terra boa pra trabalhar
Para, enfim, alimento dá.
Lindas plantas, bom cheiro!
Mas, ali no mês de janeiro
Seria todo o varjão coberto,
Todos tinham isto por certo.
Uma bem cuidada horta,
Logo em frente à porta;
Algumas ruas de cana
E lindos pés de banana.
Lindo pomar em volta
De fruta, tanta variedade,
Como no tempo de Adão,
Um paraíso, na verdade.
No varjão, o arrozal
Lá encima, o milharal.
Na pedreira tinha feijão,
Mandioca, abóbora, melão.
Havia, uma grande malhada
Com uma palhada, ao Sul,
De onde de madrugada
Ouvia-se o canto da nambu.
A morena nunca, jamais
Tinha ‘ficado’ ou namorado,
Naquele seu lindo rosto
Ninguém havia beijado.
Era mesmo uma jovem
Bem robusta e donzela
Sem amor, sem fantasias;
Também sem ver novelas.
De costume engraçado,
Hoje, tá tudo mudado.
Inocente, ria ante a cancela,
Se a chamava de bela.
Isso, raras vezes acontecia,
Pois, quase ninguém ela via.
E, se alguém lhe acenava,
Ria e pra mãe, ela falava.
Estava sempre ocupada,
No meio da garotada.
Lavava pratos e panelas;
Era assim a vida dela.
Quando em casa chegava
Da roça tão cansada
Os pequenos lhe abraçava,
Todos alegres na risada.
Aos domingos, pra se divertir,
Iam pru rio pescar lambaris
Não saia pra passear
Vivia só pra trabalhar.
Era uma jovem inocente
Filha de humilde gente;
Era uma pacata pessoa
Que achava a vida boa.
Lá, de vez em quando,
Em certa época do ano
Iam pra colheita de algodão,
A caboclinha saia do varjão.
Viajava nas brisas frias,
Pra trabalhar de “bóia-fria”.
Saia sobre um caminhão
Com os pais ganhar o pão.
Sem retrato, nem teatro,
Morava mesmo no mato;
Porém, cheia de alegria
Isto no rosto se refletia.
Quem sabe, seria tristeza,
Se um espelho tivesse
Pra ver nele refletida
Do seu corpo tanta beleza.
Para ver a sua solidão
Podendo ser uma princesa
Mas a Eva sem adão,
Disso não tinha clareza.
Se, ao menos tivesse
Uma simples televisão
Pra que assim lhe desse
Um misto de sonho, ilusão.
Esta obra jamais revelará
Seu nome, questão de ética;
Sua identidade será secreta
Nesta história indiscreta.
Aquela moça do varjão,
Que comia tanto mamão,
Sobre as pedras, ou no chão,
Foi motivo de muita atenção.
Vivia num mundo restrito,
Mas achava tudo bonito.
O seu trabalho era lazer,
Nada mais pôde aprender.
Sem boneca e sem escola,
Sua juventude foi embora.
Nem mesmo parava pra ver
Sua beleza, ao amanhecer.
O rapaz que ali passasse
Mesmo que nada lhe falasse,
Só em vê-la, saia sorrindo,
Pelo rosto dela atraído.
Na beira da mata, a morada
Por pouca gente visitada;
Ali morava aquela morena,
Ao lado do Rio Ipanema.
No terreiro a meninada,
Todas felizes, animada.
Lembrando o tempo que se foi
Acredito que agora se magoe.
Foi no ano de oitenta e dois,
Eu vou lhe contar como foi:
Ela era moça com quinze anos,
Pra namorar, nem tinha planos.
Observo a moderna juventude
Cheia de liberdade e atitudes.
Isto nela não foi marcante,
Foi pequeno o seu horizonte.
Viveu diferente a mocidade,
Corpo ausente de maldades;
Vendo todo dia, o sol nascer
E se pondo, no mesmo soer.
Pra morar perto, certo dia,
Chegou um rapaz da Bahia,
Num vizinho loteamento,
Num rancho fez o aposento.
Noutro dia, perto da casa dela,
Ele não sabia quem era aquela
Que lhe olhava, lá na pedreira,
Trabalhando numa segunda-feira.
Próximo dali, sempre,
Ela passava sorridente;
Naquele rotineiro caminho
Que dava acesso pru rio.
Ela desceu com os irmãos
E enche o rapaz de emoção.
Quando o olhar dela ele viu,
Algo muito forte sentiu.
Trajava short e blusa fina,
Só pra o banho no Ipanema;
Ela usava roupas pequenas
Pois, a tinham como menina.
Vendo seu corpo atraente
Um desejo forte ele sente:
Sensação louca, realmente,
Não amor, assim, de repente.
Boa estatura, cor de canela;
Cintura fina, pernas belas;
Bumbum e seios levantados,
Deixaram o rapaz encantado.
Mas, com os ‘guris’ perto,
Ele se limitou, por certo;
Ela olhava, todos viam
Que realmente se queriam.
Sua irmã vinha atrasada
Esperou ela sendo fitada.
Seu corpo muito atraente,
Mas... inocente, realmente.
Ele é iludido pela barriga,
Ante o olhar dele, exibida;
Desejava, tremia de emoção
E ela sem saber a sedução.
Ela saindo, e ele a fitava
O seu bumbum meneava.
“Quem dera tocar seu corpo!”
Ali desejava aquele moço.
Pôs a enxada nas costas
Consigo fez uma proposta:
De namorar a morena do rio,
Tomou isto como um desafio.
Aquela aventura queria viver
Tanto que nem pôde comer;
Naquele dia nem jantou
Só pensando naquela flor.
Sozinho, ficou a planejar
Como podia conversar;
Pois, só vivia rodeada
Por aquela molecada.
Esperando o primeiro ensejo,
Acenava, mandando-lhe beijos;
Sonhava nas madrugadas
Que ela era sua namorada.
Início de noite, ele avista
No terreiro, uma fogueira;
O pai, sempre em volta,
Ajeitando aquela lareira.
Ele foi pra lá disfarçado,
Dizendo que ia se aquecer;
Um boa-noite foi dando
E foi se enturmando.
Seu pai era ciumento,
Saiu logo, lá de dentro;
Ficou nervoso que só,
Pelo terreiro, ao redor.
Todos em volta da fogueira
E ele no meio da molequeira.
Época de frio, se reuniam,
Rotineiramente se aqueciam.
Aquele sujeito do Nordeste,
De costumes lá do agreste;
Era legal e muito confiável
Tinha boa índole, amável.
A mãe gostava de conversar
E, depois dum café passar,
Veio falar com o rapaz,
Lhe identificar, tudo mais.
A morena saiu do terreiro,
Ele continuou a te esperar;
Queria sentir dela, o cheiro
E seu olhar a te procurar.
Voltou sorrindo com um café,
Entregou-lhe e ficou de pé;
Ele agradeceu pra salientar
E ela um banco foi buscar.
Pediu pru moço: “Sente!”
Ficou ao lado sorridente.
Ele foi fazendo entrosamento,
Ali nos primeiros momentos.
Contou adivinhações e piadas;
Pras crianças, histórias de fada;
Os meninos nem queriam dormir,
Todos em volta dele a sorrir.
O senhor, em casa entrou
Com ninguém conversou;
Porém, na tarde do mesmo dia
Conversavam, enquanto carpia.
Ele observavaa cabocla,
Olhava disfarçado pra moça;
Disse que já iria embora.
“Ainda tá cedo, não vá agora”.
Falou a mãe dela, lá dentro.
Estavam saindo do relento
A morena, aindatava lá fora,
Sorrindo pra ele, toda hora.
Ele foi dela se despedindo,
Falou apertando a sua mão;
E ela, como que insistindo,
Não queria soltar, mais, não.
“Depois quero falar com você”.
O rapaz, pra ninguém perceber,
Falou baixo, no ouvido dela,
Sentindo o cheiro da donzela.
Ele a levou no pensamento,
Já tinha feito o entrosamento;
Já não era mais estranho,
Se encantado mais no sonho.
Queria no tempo se apressar,
Mas tinha mesmo que esperar;
Assim, pensava nela noite e dia,
De tê-la nos braços, não esquecia.
Cativou todos com sua amizade
Mostrando sempre simplicidade.
Com o pai dela, conversava
E de longe, ela lhe acenava.
Ela cantava modas sertanejas,
Pra lá e pra cá, a te olhar
Ele percebeu que lhe queria,
Porque sempre, correspondia.
Um dia, enquanto trabalhava,
Sua irmã se exibia, brincava:
“Ele te ama, e quer você!”
E a outra falava pra querer.
Ele disse: “Claro, que aceito!”
Emocionado, a mão no peito.
Foram tomar água distante
E aproveitaram um instante.
“Quer conversar comigo?!”
Como se fosse um pedido,
Ela o interrompeu, beijando
E, lentamente se entregando.
A morena ficou tão exitada
Assim, muito emocionada;
Queria aproveitar o ensejo,
Mas interrompia os beijos.
Confesso que ela até chorou,
Quando seu corpo ele abraçou.
Tremendo, ela largou a enxada
E lhe agarrou sem falar nada.
Levava ao peito, a sua mão
Agoniada com o coração,
Que batia forte e estremecia
E afastou-se naquela agonia.
Depois da cena que passou
No rosto dele ela olhou;
Ele percebeu que tava carente,
Que não era mais inocente.
Ficaram os dois ali dementes
E sua irmã chega, infelizmente.
“À noite, vá pra casa”, ela pediu.
E ele disse: “Eu vou, amor, viu?!”
Eles voltaram a trabalhar
Foram obrigados a disfarçar
Do seu pai, ela tinha medo,
Ela lhe falava em segredo.
Na noite do próximo domingo
No terreiro ele foi surgindo.
Ela, na porta, empalideceu
Que até a sua fala perdeu.
Ela ficou feliz, sorrindo,
Com o coração aplaudindo;
Ele abraçou todas crianças,
Dando-lhes mais confiança.
Conversava com os irmãos
Com sua voluntária atenção,
Mas, de olho naquela morena;
Queriam se juntar, dava pena!
No terreiro, a lareira no cão,
Aquecia o frio e a emoção.
“Abrace ele!” a irmã dizia.
”Não gosta?” outro insistia.
Ela disfarçada, ficava calada
E dizia tudo sem falar nada.
Aquela noite foi um marco
Do amor, depois, o fracasso.
A morena não mais se dominou,
A espada da paixão lhe acertou;
Sentiu amor, pela primeira vez
O beijo, apaixonada a fez.
Eles começaram a segredar
O seu começou a desconfiar.
Ia Lá dentro, não sei o que fazer
O rapaz começou a perceber.
O moço falou: “Eu tô com medo!
Vou embora, enquanto é cedo”.
Ela segurou a mão do rapaz
E pediu: “Não, fique mais!”
Ficaram os dois bem juntinhos
Falando só pra eles, baixinho.
Então ela percebeu, realmente
Que atraia e era atraente.
O seu pai na porta tomando mé
Falou:“Este sujeito, dê no pé!
Já vi que este cara não presta!
E vou acabar com a sua festa!”
Todos, dele tavamgostamdo
Só o pai dela tava ciumando,
Mas ele, duma vez foi dormir
Sua mãe e a irmã ficaram ali.
Num momento, as duas saíram
E os corpos sedentos se uniram:
Osabraço puderam sentir
E ela tremia, querendocair.
Aquelas criaturas carentes,
Sentindo os corpos quentes;
Ela ainda não sabia acariciar
Mas não paravam de beijar.
Ela ouviu o barulho da porta
E pediu: “Amor, me solta!”
“Filha, o fogo já se apagou
E agora, deitar eu já vou.
Chame pra dentro o rapaz,
Ele pousa e amanhã cedo vai”.
Ele se despediu, foi embora,
Beijando-lhe naquela hora.
A irmã não saia de perto,
Tava vigiando, por certo.
Saíram cheios de maldades,
Os dois com tanta vontade.
Vontade de mais ensejos
De sentirem mais os beijos,
Beijos que naquele enredo,
Quem predominoufoi o medo.
A morena suspirando foi deitar
E, sem sono, na cama a rolar;
Lembrando das cenas, os abraços
Tava carente, queria amasso.
Pecava olhando o seu corpo
E desejando aquele moço.
Até então, ela era inocente,
Agora, incompleta e carente.
Uma onda de gostosa sensação
Sacudia o seu pobre coração.
Dormiu já de madrugada
Sonhado com ele abraçada.
Eles só pensavam no amor,
Mas, em breve viria a dor.
Ele foi o primeiro namorado
Antes ninguém havia beijado.
Ficou louca, doente de paixão,
Vivia com a mão no coração;
Ficava só pensando consigo
Como ficariam escondidos.
Imaginava por ele, despida,
Sua beleza por ele, vista
Cheia de timidez e sensação
E pensava: “Não aguento, não!”
Ficou fácil, o entrosamento
Só o paié que era ciumento.
Eles não sabiam se conter
Com aquela paixão de morrer.
Ia bem, o namoro transcorria;
O pai, o que fazer, não sabia
E o casamento, adiar queria;
Outra hora, nem permitia.
Falava que ela ainda era nova
Bebia e alegava, toda hora
O rapaz dizia: “Não agüentomais,
Quero fugir, mas você não vai!”
Já fazia mais de dois anos,
Sem dar certo nenhum plano;
Só se viam nos fins-de-semana,
O pai dela implicava tomando cana.
Era o pai, de longe, falando
E eles no terreiro, coversando;
Encontrá-la na roça ele ia
Mas ela sempre tinha vigia.
Quando sozinhos eles ficavam,
Precipitadamente se abraçavam;
Aproveitavam ensejos com beijos,
Acendendo mais seus desejos.
Foram três anos de indecisão
Com futuro cheio de imprecisão,
Queriam, em breve, o casamento,
Eles sonhavam com este evento.
Ele, às pressa, toma uma decisão
De conseguir dinheiro no sertão.
Regressou pra o estado da Bahia
Jurando que, em breve, voltaria.
Ao chegar ao estado da Bahia
Um vazio imenso ele sentia;
Pertences começou a vender
Pra um bom dinheiro fazer.
Com a morena queria se manter,
Doido pru casamento acontecer.
Arrumando a questão financeira
Pra ele, o resto era besteira.
Depois de apenas quinze dias
O rapaz já sentia nostalgia,
Tanto que ia comer, não comia;
Chorar no mato, escondido ia.
Ela também vivendo no fracasso,
Seu corpo com sede do abraço.
O pai, aliviado agora se sente
E ela triste, sofrendo, sempre.
Na estrada, em busca dela
Ele recitava uma poesia bela,
Em silêncio, doido pra chegar,
Finalmente, sua amada abraçar:
“Nesta estrada tirana estou,
Correndo em busca da minha flor;
Mas este sofrimento, esta lida,
Sana ao encontrar minha querida.
Sozinho, sem ninguém abraçar
Pois, só a ela mesmo sei amar
Vejo a morena, sem aqui estar
Nem sei como isto explicar.
Sei que nesta madrugada
Ela, como eu,tá acordada
E, quem sabe, sonhando”.
E assim continuou viajando,
Na estrada, olha uma serra
Com o horizonte se depara.
Seu olhar, o espaço atravessa
O ônibus corre e ele com pressa.
Aquela vontade no seu peito,
Faz ele chorar, não tem jeito.
O seu olhar rasgando o véu
Pensamento se mistura no céu.
Ele regressa naquela solidão
Porém, com ela no coração;
então, dorme e se acalenta
Sonha com ela e se alimenta.
Era noite linda, de lua-cheia,
Imagem na mente vagueia:
Imagem dele, na mente dela;
Também, na dele a da donzela.
Chegou por trás das bananeiras,
Parou sob um pé de macieira;
Era cedo, às dezoito e meia,
Pouco depois da hora da ceia.
Ela, com sua irmã, conversava:
Uma chorava, a outra consolava;
Ele ficou escondido a escutar
Com emoção, das de matar.
Ela perguntava: “Será que volta?!”
Ali continuou aquele soluçar
Fitando as estrelas, do terreiro
Expõe seu amor verdadeiro:
“É certo que este mundo gira:
Um curte, outro sofre -e suspira;
Minha alma, sozinha vagueia
Sinto o cheiro dele, volta e meia.
Meu amor está tão distante
E me judia, êta paixão picante!
Parece trespassar o coração,
Entendo como é isto, não”.
Uma voz, de início, misteriosa
Assustou aquelas duas rosas,
Cessou o medo, veio o acalento
Com a melodia solta no tempo:
“Enquanto eu existir
e pra você puder olhar;
Enquanto no seu rosto
uma estrela brilhar;
Com frases de amor
vou sempre lhe presentear.
Amor, agora, quero te abraçar,
Que te amo, quero provar;
Vamos matar esta saudade,
Somos um do outro, a felicidade.
Abrace o homem que te ama
Acredite, apague esta chama.
Todo tempo só pensei em você
Na distância, só fiz padecer”.
Depois de ambas declarações,
Feitas por aqueles corações,
A sua irmã ficou tão surpresa,
Sem dúvida, percebeu a firmeza.
Se abraçaram sob a luz da lua,
A outra correu avisar a mãe sua
Que veio porém, sem acreditar,
Mas viu abraçados, ao chegar.
Pra vida à dois eles começar,
Dinheiro, ele conseguiu juntar,
Porém surgiu imprevistos
Os aqui, não serão descritos
Permaneceu ali o pobre rapaz
Pescava, trabalhava, tudo mais,
Sempre naquela preocupação:
Sem poder consumar tal união.
Em casamento ninguém falava,
A moça revoltada reclamava;
O pai era honesto, gente boa
Mas, sem recursos ficou à toa.
Ele ficou ali sem resultados
E, sem recursos ficou agoniado,
Sendo vítima daquele problema
Que amenizava ante a morena.
Houve um período que madrugar
Num tempo frio de congelar
Virou costume, coisa rotineira:
Trabalharem na Fazenda Laranjeira.
O cultivo da lavoura de algodão
Quem fazia era o povo do varjão,
Trabalhando de “bóia-fria”,
Assim aquela família sofria.
Houve um desentendimento
Na estrada, certo momento:
O proprietário do carro, Romil
Fez o pobre rapaz correr “à mil”.
A causa de tudo foi ciúmes,
Com isto ninguém se une.
Quem sacou a arma foi Romil
Felizmente, o rapaz não reagiu.
Aos domingos, com as meninas
Iam buscar leite na Carolina;
Cada dia daquele, era especial,
Tinham liberdade, coisa e tal.
Ela ficava mais bem arrumada
Pois, sabia que ia ser beijada.
No caminho comiam queijos
E saboreavam os doces beijos.
O rapaz viajou, foi ao Paraná
Pra mais dinheiro ganhar,
Em Santo Inácio foi trabalhar
E lá começou a namorar.
Era com a filha do patrão,
Só que a ela não amava, não
Estava apenas disfarçado,
Porque já era um enrolado.
Acertou a conta com o patrão
Não quis compromisso, não;
Saiu escondido de madrugada,
Nem pra moça avisou nada.
Continua aqueles namorados,
Um pelo outro, enfeitiçados.
Já no ano de oitenta e cinco
No final, acho que não minto.
O rapaz foi trabalhar fichado,
Desta vez ficou até animado;
Numa fábrica chamada “Brasway”
O que ele fazia lá, eu não sei.
Naquela indústria ele esperava,
Aos poucos, sua vida melhorar,
Mas houve um imprevisto
Impedindo dele ali trabalhar.
A família também saiu do varjão,
Pois chegou a tal da inundação.
Recebeu casa em Narandiba,
Ganharam outro modo de vida.
A morena saiu daquele chão
Sem querer, contra seu coração.
Ganharam hábitos diferentes
Na cidade toda aquela gente.
O chefe e todo seu povo
Queriam o varjão de novo,
Por sairem pra ganhar o pão
De madrugada, num caminhão.
Começaram constantes brigas
Não sei porque tais intrigas.
Às vezes ficavam brigados
Um mês ou mais calados.
Uma crise de ciúmes grande
No amor eles viviam em pane.
O romance ficava bombardeado,
Parecia até tudo ter acabado.
Quase sem haver reconciliação
E doentes com a tal desunião.
Se reconciliam num instante
Aproximam, o amor distante.
Mas o rapaz, muito diferente
Do que ela pensa, de repente,
Pra Bahia resolve voltar,
No dia seguinte iria viajar.
Sem esperança, sem acreditar
Que ela iria te acompanhar,
Pois, ele sempre queria fugir,
Mas ela só queria ficar ali.
Ela ficava toda indecisa,
Ficava um pouco dividida.
“Ficará lá, a moça do varjão”.
Deduziu ele no seu coração.
O que seria uma separação
Transformou-se numa solução.
A morena faz-lhe uma surpresa,
Após ter chorado de tristeza.
Se é pra sofrer, escapa, não!
Naquele dia, não sei a razão
De ali sozinha ela ter ficado
E dela fugir ter, concordado.
Ao chegar ele falou assim:
“Amor, se você gosta de mim
Irá comigo, hoje será o dia,
Porque estou indo pra Bahia.
Estou decidido, se você não for
Chegou ao fim, o nosso amor;
Aproveite os meninos brincando
Que seus pais estão chegando”.
A moça pensativa, sem se conter
As lágrimas começaram a descer
Triste, lamentando a chorar
Abraçou ele e pôr-se a falar:
“Meu amor, irei com você,
Chega deste tanto sofrer.
É firme a minha decisão,
Não suporto mais solidão.
Perante os convidados, no altar
Queria o meu amor poder jurar.
Sem ser possível tal cerimônia
Faremos agora esta vergonha”.
Imaturos, os adolescentes
Discordavam, infelizmente.
Amor é coisa só pra gente,
Mas tem que ser inteligente.
Depois da ação não planejada
A morena ficou triste, calada
Passeavam os dois pela cidade,
Viajariam à noite, na verdade.
Como quem se arrependia
Olhava no rosto dele e dizia:
“Amor, esta decisão tomada
Por mim não era desejada.
Sei que agir assim, é incorreto
Mas já que casar não deu certo
Estoucom você viajando”.
Enos braços dele, se ajeitando.
No mês de abril do mesmo ano,
Início de noite, foram chegando
Numa residência de estimação,
Onde houve uma linda recepção.
Morava naquela residência
Pessoas querida, de decência:
Mãe do rapaz, irmão e irmã
Que conversaram até de manhã.
Muita recepção, deram-lhes,
No início tudo são flores
O problema logo, logo viria
Curtiram apenas poucos dias.
A ela todos queriam agradar,
Ele não sabia como gratificar
Cheios de liberdade, sentiam,
Logo nem tanto se queriam.
A morena logo estranhou,
Do Nordeste ela não gostou.
Nem daquele modo de vida,
E muito menos das comidas.
Começou odiar tudo na região
E ele lhe dando pouca razão.
Desentendeu com a cunhada,
Houve aquela briga danada.
Levantava com mau humor,
Até com a sogra fez terror:
Xingou ela lá na cozinha,
aquela senhora tão calminha.
Ninguém sabia lhe entender,
Sofria e fazia os outros sofrer.
Ele ficou muito ofendido
Com dó da mãe, entristecido.
Sem família, ficou desgarrada,
Em terra estranha, fracassada.
Naquela casa sem ter chefe,
Num viver que ninguém merece.
Começaram constante desunião
Era de momento aquela paixão;
A maldição ali foi lançada,
Os dois brigavam por nada.
Um não entendia mais o outro,
De ambos aumentava o desgosto;
Nem se alimentavam mais direito
Com aquela angustia no peito.
Sem planejarem sua relação
Um ser entrara em formação.
Aquela morena ficou grávida,
Mais uma vida era concebida.
Desenvolvia o fruto duma união
Pra enfrentar tanta ingratidão
Sem planejamento, uma gestação
E nem repouso ela tinha, não.
Ele, atarentado, não entendia,
Como agir, ele jamais sabia;
Ela cobrava sempre a sua volta
Pra terra querida, que revolta.
Refiro-me sobre o seu parto,
Que prometia ser complicado
E pelo médico recomendada,
Pra Aracaju foi logo levada.
Chegando lá, ela teve sorte,
Não houve perigo de morte.
O procedimento foi normal:
Mãe e filha com saúde, afinal.
Nasceu uma linda menininha
Tão bonita, aquela gracinha;
Sem pecado, uma coisa linda,
Com direito a ser bem vinda.
Nascida em Sergipe, sergipana,
Portanto, ela não é baiana;
Na Bahia, três meses viveu,
Em São Paulo, creio que cresceu.
Após uns cinquenta dias
A morena quase morria.
Não sei como passou mal
E foi levada pro hospital.
Com certeza não repousou,
Não sei como se comportou.
Falou que iria mesmo morrer
E a sua mãe não ia mais ver.
À noite ela agarrou no sono
E ele sempre lhe observando
De madrugada ficou bem ruim
E, pra cuidar dela, ninguém ali.
Deu uma crise nela, de repente,
Fitou o marido bem diferente.
Ele partiu, do quarto gritando,
Pelas enfermeiras chamando.
Uma, foi ver de pressa a paciente;
Outra,chamou o médico, urgente.
“Enfermeira, não deixe ela morrer!”
Ele pediu com as lágrimas a descer.
O médico ficou assustado,
Realmente com seu estado.
A temperatura alta, estava,
Dos quarenta graus passava.
“É hemorragia. Que situação!
Mas vou aplicar esta injeção--
Continuou o médico-- sei não!”
Ajeitando a seringa na mão.
Em dez minutos ela levantou,
O médico feliz também ficou.
Três dias lá, ela permaneceu
Quase morre, mas não morreu.
Não demorou veio a separação
Da morena e o rapaz do sertão,
Não havia mesmo combinação,
Porém, jamais haja justificação.
Pra ele que abandonou
A sua filha e não criou
Seu sangue foi abandonado,
Por isso vive desorientado.
Foi petrificado o seu coração,
O sofrimento tirou-lhe a visão.
Assim, o problema não sanava
E a si próprio ele enganava.
De certa forma, ainda agiu bem:
Levando-aà casa dos seus pais,
Desligando da vida um do outro
E gerando pra todos, o desgosto.
É triste o fim desta história,
Que ficará na sua memória.
Às vezes o ser humano, afinal,
Age mesmo como irracional.
Aquela criança, na partida,
Como se recusasse sua saída,
Ficou doente, o ser infantil,
Mas foi tratada com floratil.
No caminho, em meio à maldade,
Ria sem saber daquela crueldade.
Mesmo com a mente embaralhada
Ele já sentia a alma penalizada.
Sem voltar atrás, mas percebia
O desgosto que a criança sentiria,
Sem o pai ao lado, no futuro
Pra dar cada passo seguro.
Última vez cuida da criança,
Traindo dela, sua confiança;
Próximo, em Presidente Prudente,
O pai dá leite àquela lactente.
Olhou a morena, a menor riu;
Saiu, ninguém nunca mais viu.
Preferiu não chegar até lá
Tinha medo da família vingar.
Tal idéia ele teve no momento,
Em Prudente, num curto tempo.
Por tal ato de covardia mereceu
A punição moral que recebeu.
A mãe, sozinha ficou cuidando
Daquela criança, se doando;
Pelo pai, deixado uma vida
Covardemente, esquecida.
Um ato que mais dá tristeza
É abandonar criança indefesa.
Um ser totalmente inocente
É apenas um início de gente.
Todo mundo que gostava dela,
Hoje, vivem como numa cela;
As flores, inclusive a roseira
Murcharam, ninguém cheira.
As plantas, ela vivia regando,
No terreiro, as flores, cheirando;
Saboreava as frutas da mangueira,
A planta que ouvia as neiras.
A árvore que viu para sempre,
A morena partir, ficou doente;
Triste, não botou mais fruta,
Apenas, o vento nela se escuta.
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